UFCAT e Sociedade

Projeto de extensão leva apoio psicológico à encarcerados de Catalão

Por Welliton Alves. Em 17/02/21 14:19. Atualizada em 17/02/21 18:13.

Projeto é integrado por servidores de diversos cursos da UFCAT e parceria com agentes externos. Conheça!

 

Quem poderia imaginar que o desejo de estudantes do curso de Psicologia de realizar um trabalho junto à população carcerária feminina de Catalão poderia se tornar um projeto grandioso e que viesse a agregar outros cursos da Universidade e até parceiros externos, fora dos muros da academia e diretamente para dentro dos muros de uma unidade prisional? 

Pois essa foi a base para surgimento do Projeto de Extensão "Apoio psicológico a uma unidade prisional de Catalão/GO". Da manifestação destas estudantes de Psicologia da Universidade federal de Catalão (UFCAT) em 2017, à criação do projeto em 2018, até os dias atuais, em 2021, o projeto se desenvolve, enfrenta desafios e estabelece novos objetivos e expectativas dentro de sua proposta.

Nesta reportagem, realizada com a participação da coordenadora do referido projeto, Prof.ª Dra. Renata Wirthmann G. Ferreira, docente do curso de Psicologia da UFCAT, apresentamos a toda comunidade detalhes sobre esse trabalho extensionista que está sendo realizado na Unidade Prisional de Catalão-GO.

 

O início

A proposta inicial do projeto foi pensada no sentido de trabalhar com a história das mulheres em situação de cárcere. "Frente ao desejo das alunas, de trabalhar com essa população, procuramos o presídio que nos recebeu muito bem e, desde então, tem apoiado nossos trabalhos", conta Renata. No primeiro mês de atuação, o projeto recolheu as demandas da instituição, escutando os agentes prisionais, agentes de saúde que atuam na instituição, direção e setor administrativo. O primeiro atendimento às reeducandas foi feito na cela, no horário do banho de sol, no dia 23/04/2018. O objetivo dos primeiros atendimentos foi o de receber as demandas das reeducandas, como foi feito com os demais agentes que atuam na instituição.

E o pensamento dos envolvidos no projeto era trabalhar unicamente com a ala feminina do presídio, porém, o sucesso do projeto foi rápido. A atuação chegou aos ouvidos também da ala masculina, que tão logo quis ser inserida nas ações. "Começamos a buscar, junto a unidade prisional, quais as possibilidades de trabalhar junto a essa população. Na ala feminina o trabalho era realizado pelas estagiárias dentro das celas, isso não era possível na ala masculina devido a super lotação e outras questões de segurança", explica a Coordenadora.

Assim, de modo participativo, a partir da escuta, ferramenta fundamental de trabalho da psicologia, como exalta Renata, os objetivos foram sendo delineados, absorvendo a demanda dos agentes participantes. Isso resultou também na ampliação de integrantes da parte executora, em que foram incluídas diferentes ações em que outros cursos da UFCAT atuam/atuaram. "O curso de enfermagem, com as professoras Ana Carolina Scarpel Moncaio e Tharine Louise Gonçalves Caires, participou com ações da área da saúde básica. O apoio para o empreendedorismo das reeducandas foi oferecido pela Liga Mauá, que também é um projeto de extensão da Universidade. O professor Ismar da Silva Costa do curso de história da UFCAT, se propôs a auxiliar com um projeto em conjunto com o EJA. O curso de letras, com os professores Bruno Franceschini e Fabianna Simão Bellizzi Carneiro, que assumiu a remição por leitura. Para além da universidade, a arquiteta Aceanga Vitoria Leal Neto se voluntariou para fazer o projeto para a reforma do galpão multiuso da unidade prisional e, agora, conseguimos o apoio do Rotary e da Casa da Amizade para montar uma sala de aula e a biblioteca dentro da unidade prisional", detalha.

 

Desafios

À medida que objetivos foram delineados, surgiam desafios a serem superados. Dois grandes desafios iniciais eram a lógica prisional e a perda da subjetividade por parte do encarcerado. "Consideramos, como primeiro desafio do projeto a própria lógica do sistema prisional que se constitui no controle de condutas e manutenção da vigilância. Como propor uma escuta qualificada e garantir a confidencialidade e a privacidade próprias dessa escuta dentro de um local de vigilância?", relata Wirthmann. "O segundo desafio era o dos sujeitos encarcerados. 'O sujeito encarcerado é identificado pela sociedade como alguém que não se insere no contexto social, sendo impossível elaborar o significado de sua subjetividade e identidade.' (Oliveira, Gonçalves e Mendes, p. 01). Como fazer esse sujeito encarcerado aceitar uma escuta, que o considera em sua singularidade, se esta escuta se opõe a certeza excludente que parte da sociedade?", acrescenta. 

Foram identificados também questões como o baixo índice de educação formal e a pobreza na população carcerária, questões que permitem compreender que a exclusão social desses sujeitos se iniciou antes do encarceramento, evidenciando que estes já lidavam com uma enorme dificuldade de se integrar à sociedade antes de cometer crimes. Além disso, outro ponto de extrema relevância para o projeto, e que se tornou o principal objetivo, refere-se a reincidência. "Calcula-se que, no Brasil, cerca de 90% dos detentos nas cadeias são reincidentes, o que parece apontar para um grande furo do sistema prisional, afinal, se o cárcere fosse realmente eficaz, a reincidência deveria ser baixa. Tendo como base estes desafios, a escuta psicanalítica e os dados de exclusão e reincidência dessa população, o projeto iniciou os seus trabalhos", ressalta Renata.

 

Unidade Prisional de Catalão-GO
Unidade Prisional da cidade onde o projeto é desenvolvido (Créditos: Divulgação)

 

Os impactos do trabalho desenvolvido

Pode-se observar que o trabalho deste projeto de extensão, para obtenção de bons resultados, necessitava de sintonia entre o grupo executor, a administração da Unidade Prisional e os agentes da instituição atendida. A construção de uma boa relação entre as partes é algo fundamental, conforme conta a Coordenadora, para que o projeto esteja até hoje rendendo frutos e cumprindo com as expectativas. 

Renata Wirthmann aponta que alguns resultados do trabalho desenvolvido podem ser observados, sendo o primeiro deles a relação com a instituição, que proporcionou o fortalecimento do campo de trabalho. A relação entre o grupo e as reeducandas também foi estabelecida, o que, por sua vez, viabilizou a instalação do trabalho destas com o crochê (atividade interrompida devido a pandemia). A visibilidade das demandas das reeducandas também foi promovida, fato que pode ser percebido não só através das parcerias que foram feitas, mas também por outros profissionais que por este projeto foram encorajados a verem a instituição como campo possível para propor ações de extensão e estágio.

Especificamente sobre a saúde mental dos encarcerados, Renata conta que foram absorvendo a importância do serviço psicológico, podendo observar que até mesmo os discursos nos espaços de fala foram mudando e se tornando mais positivos do que reclamativos. "Se inicialmente demonstraram-se resistentes, em menos de um ano de projeto, no início de 2019, o discurso havia modificado e passamos a escutar dessas pessoas: 'é muito importante ter esse espaço pra falar'. Os conteúdos da fala ao longo dos atendimentos também foram se modificando. Inicialmente se limitavam a reclamações intensas sobre o cotidiano dentro da unidade prisional e foi se desenvolvendo para um discurso de trabalho, prospecção de um futuro e planos para o pós-cumprimento da pena".

A Coordenadora explica que o grande impacto do projeto perante a sociedade, de modo geral, está na sustentação da hipótese de que melhores condições do cumprimento da pena permitirão que o enlace entre sujeito preso e sociedade se reconstrua, diminuindo, pouco a pouco, a criminalidade que, por sua vez, levará a uma melhor condição de vida tanto para este sujeito quanto para a sociedade da qual ele faz parte. Na parte acadêmica da execução do projeto também é visível o feedback positivo. O aprendizado proporcionado a todos os estudantes e professores da UFCAT que participam do projeto, em suas mais diferentes ações, confirmam a construção de um importante campo de estágio, pesquisa e extensão neste espaço da sociedade.

 

As expectativas para o pós-pandemia

A pandemia da COVID-19 que ainda perdura em todo o mundo acabou afetando atividades do projeto. Tanto que algumas das conquistas mais importantes do projeto tendem a ser realizadas de acordo com os cuidados necessários em meio à essa situação de saúde pública.

Há enormes expectativas em conseguir executar a reforma do galpão multiuso da Unidade Prisional, com base no projeto da arquiteta parceira, a instalação de uma sala do EJA (Educação para Jovens e Adultos) no interior do presídio e a promoção de mais atividades de remição da pena e melhores condições de permanência na unidade prisional, tanto aos reeducandos quanto aos agentes prisionais. 

Renata finaliza a reportagem reforçando a importância de dar visibilidade à essa população e espera que o projeto continue contribuindo para que a reinserção de encarcerados possa ser um processo mais eficaz. "Queremos dar continuidade a tudo que construímos até aqui. Queremos maior visibilidade para essa população invisível e, fundamentalmente, descobrir cada vez mais formas de que o processo de reinserção de cada reeducando na sociedade seja eficaz, a ponto de reduzir drasticamente a reincidência", declara ela.

 

Em breve, à medida que mais conquistas deste projeto forem sendo executadas e concretizadas, serão divulgadas nos meios da UFCAT. Para interessados e interessadas em conhecer mais do projeto, o contato é o: rewgferreira@ufg.br

 

Fonte: Ascom - UFCAT

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